quinta-feira, fevereiro 25

Agostinho da Silva

AGOSTINHO DA SILVA

ARAUTO DE UM MUNDO EM EXPANSÃO

J. Jorge Peralta

I - UM PARADIGMA DO MUNDO LUSÓFONO

1. Agostinho da Silva, na sua visão profética e dinâmica da história, sonhou sempre com um mundo melhor para todos. Foi um homem apaixonado pela vida; um cidadão do mundo. É um marco cultural da segunda metade do século XX. Nasceu no Porto, em 1906, e morreu em Lisboa, em 1994.

Foi um português da estirpe dos grandes construtores da nacionalidade e dos grandes descobridores do mundo; Foi um bandeirante, no arrojo e na ousadia de suas ideias, e na competência e coragem de praticá-las. Foi um grande inspirador e um exímio obreiro da lusofonia.

Foi um homem plural, como Fernando Pessoa. Via a essência do ser português. Personificou a alma lusa. Agostinho da Silva foi, como Pessoa, um indisciplinador de almas, um decifrador de enigmas, um provocador de pessoas, para que elas próprias achassem e construíssem o próprio caminho.

Foi um dos homens de maior destaque, no mundo da Língua Portuguesa, no século XX. Sua contribuição à Lusofonia assumiu dimensões gigantescas, pelas perspectivas que foi abrindo e pelo seu espírito genuinamente humanista. Foi um homem de um pensamento sólido, múltiplo e articulado. Atuou intensamente no Brasil, de 1944 a 1969.

2. Foi descobrindo e difundindo as grandes forças que regem os destinos da humanidade, superando egoísmos e desvendando dúvidas e inquietações. Foi um homem notável, modesto e discreto, movido por incontida determinação.

Agostinho focou-se nas forças que impelem o espírito da lusitanidade: a identidade, com alteridade, articulada com a cordialidade e a tolerância. Levou essa equação a todas as dimensões da vida.

Essa equação possibilitou que os portugueses dessem novos mundos ao mundo, nos séculos XV, XVI e XVII.

Só o espírito lusitano poderia viabilizar a imensa epopéia dos descobrimentos de novas terras e o relacionamento cordial com novas gentes.

O espírito dos descobrimentos é a marca do povo português, que ainda perdura. Foi a força motriz de Agostinho.

Essas forças ainda impulsionam os descobridores dos tempos modernos, pelos tempestuosos mares interiores, numa perspectiva espiritualista.

Agostinho foi um homem de uma lucidez extraordinária: um visionário. Sentiu as dimensões permanentes e ainda atuais das forças matriciais que levaram a cultura e a língua portuguesa pelos quatro cantos do mundo, sentiu a força estupenda que sustenta e impulsiona a Lusofonia, no contexto da modernidade.

Sem nostalgias, ele procurava abrir novos caminhos de esperança, pelo cultivo e defesa de valores do mais autêntico humanismo, superando valores espúrios e mascarados.

Foi um pensador e um obreiro sagaz, construtor de Universidades e de Institutos de Pesquisa. Abriu espaços para a sociedade crescer por dentro.

3. A Identidade e Alteridade são as forças motrizes que fizeram de Agostinho um arauto da esperança, um otimista, um homem cheio de vida, um cavaleiro da esperança.

Um homem que creditava na vida e que irradiava vida e esperança, em todos que dele se aproximavam. Um homem sem arrogância e sem vaidades vazias; um homem humilde que sabia onde estava a grandeza da pessoa humana: no seu caráter, na sua generosidade e benquerença, sem hipocrisia e sem farisaísmos... Foi um homem de portas e coração aberto para todos.

Diziam que ele tinha um coração maior que o mundo.

Diz Agostinho:

Temos de aprender duas coisas:

Aprender quão extraordinário é o mundo

e aprender a ser bastante largo, por dentro,

para o mundo todo poder entrar[1]

Agostinho foi um homem de grande visão; acreditava na educação séria, como o caminho para superar a miséria e as mazelas sociais.

Na perspectiva em que coloca seu pensamento, seus sentimentos e sua ação, Agostinho comporta-se como um homem universal. Atrai, a si, pessoas de todas as filosofias, ou atitudes políticas. Todos o ouvem, com atenção e receptivamente. Assim é até hoje, e será por muito tempo. Personificou o espírito da Lusofonia.

4. Agostinho foi uma pessoa afirmativa e positiva.

Como Sócrates, não dava soluções: ensinava as pessoas a encontrá-las; provocava; inquietava e mostrava caminhos. Apontava, mas não fazia caminhos para ninguém. Respeitava a liberdade e a competência de cada um.

Assim as pessoas cresciam pelo próprio mérito, e conseguiam forças para crescer mais. Agostinho não dava o peixe a quem tinha fome, a não ser excepcionalmente; dava o anzol e ensinava a pescar. Foi um criador de pessoas livres e altruístas.

Em toda a sua vida, Agostinho foi um homem sincero, coerente e leal a seus princípios humanísticos. Foi um amante da liberdade. Ele é uma mensagem viva. Nele o saber e o fazer, o pensar e o querer estavam plenamente articulados.

Foi um educador (ex-ducator = tirar de dentro). Nunca quis fazer discípulos. Quis um mundo de pessoas livres. Por isso dizemos que Agostinho é um arauto de um mundo melhor, um paradigma da Lusofonia.

II – PERFIL DE UM HOMEM REALIZADOR

5. Agostinho foi um homem dedicado, competente e empreendedor.

Foi um homem determinado e de grandes ideais. De tão simples, sua atuação e a sua vida, nada tinham, na aparência, que revelasse nele mais que um homem comum. Nele, nada segue os códigos de grandes feitos espetaculares, cinematográficos, com apelo a “efeitos especiais”, irreais, a que nos acostumamos no nosso mundo mediático, onde vale mais o que parece e aparece do que a essência do que se é.

Por fora foi sempre um típico homem simples, cordial e generoso. Por dentro teve uma alma de gigante.

Agostinho foi um extraordinário homem comum.

6. Pertenceu a uma geração que deu ao mundo, em nosso meio, grandes sábios, com idênticas marcas. Aqui destacamos: Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes, Guerra Junqueiro, Antero de Quental e Fernando Pessoa. Como Agostinho, todos cultivaram idênticos ideais humanistas, altruístas e lusófonas, em perspectivas plurais e universais. São pessoas que somam e multiplicam forças, solidários nos princípios matriciais que os inspiram.

Na Espanha destacamos Miguel de Unamuno e Ortega y Gasset, muito bem relacionados com Portugal.

Desta estirpe encontramos, pelo país, milhares de Pessoas. Elas se

distinguiram pela genialidade, que os fez Paradigmas; por uma vida dedicada ao bem-comum e por um espírito de sinceridade, simplicidade e entusiasmo. Caracteriza-os uma visão franciscana da vida e do mundo e um pensamento sólido, profundo, consistente e ousado, numa religião para além das igrejas, com liberdade interior.

“Para essa “geração”, São Francisco é o São Paulo de uma nova igreja dos simples, diz Eduardo Lourenço.

Eram pessoas de espírito socrático: sábio, altruísta, simples e desprendido. Eram pessoas de altos ideais, como o Cristo do Evangelho, voltados ao bem comum...

Pensar em Agostinho, é, um pouco, sentir uma sombra de São Francisco de Assis , passando lépido, com seu bordão...

Sempre peregrinando por um mundo a descobrir e a reconstruir.

Pensou em perspectivas universais, onde cabem todas as contribuições, sem discriminação.

Foi um homem que acreditou que é possível construir um mundo melhor.

Olhou o mundo como algo, em permanente processo de construção e reconstrução: algo sempre a haver, ao abrir-se para novas perspectivas dinâmicas.

Foi um homem de pensamento e um homem de ação; um pensador consistente e um realizador coerente. Pensar, querer e realizar era sua plataforma de atuação.

Foi um homem da terra e um homem do espírito, do mundo das ideias e da ação transformadora. Foi um filósofo comprometido com a vida das pessoas e do universo. Agostinho dialogou desinibido, com o mundo dos homens, com mundo das ideias e com o mundo do Espírito.

7. Agostinho foi um homem aberto a tudo: aberto para a vida, para as energias do universo, que nele se integram por todos os sentidos: pela visão, pela audição, pelo tato, pelo olfato e sabor, e todos os mais que houver.

Dentro dele, de seu espírito, de sua alma, havia lugar para tudo e para todos. O que tinha: (saber, sabedoria e até seus bens), tudo repartia e compartilhava. Amava e cultivava a vida.

A sua visão do outro, da alteridade, integrava-se no seu ser, na sua identidade. Vivia para o “outro”. Foi um educador pleno. Um ser humano pleno, um homem cativante, por suas ideias, modo de vida e visão de mundo.

Foi um homem de pensamento e de ação: um construtor; um transformador de vidas, um iluminador de caminhos. Foi luz, onde passou.

Para levar a teoria, à prática, foi um criador de universidades e um exímio professor.

Foi um homem cheio de vida, e se realizou na convivência ativa e dinâmica. Nada lhe faltava, porque tudo repartia... Isto parece paradoxal, mas, nele, é bem real. Foi o típico homem consciente: o cidadão do mundo.

Foi um homem sem máscaras. Por isso as pessoas não tinham receio de a ele se dirigirem, como quem se dirige a um amigo, sempre de portas abertas.

Dentro do espírito lusitano, que era sua força matricial, foi um homem de perspectivas universais

III – ABRINDO CAMINHOS – REFLEXÃO E AÇÃO

8. Nasceu em 1906, no Porto... Em 1944, com 38 anos, emigra para o Brasil, para prosseguir a sua obra, buscando novas oportunidades. Teve-as.

Do Brasil descobriu melhor a alma e a força profunda de Portugal.

Aqui, a sua vida toma novas dimensões e novos rumos.

Aqui, Agostinho da Silva pôde realizar suas perspectivas universais, da vida e da mente típica portuguesa, sempre aberta a novas descobertas.

Sua personalidade de pensador, místico e mestre encontra aqui um campo fértil. Sua missão de professor e seu humanismo e dedicação às grandes causas da humanidade, sem distinção de classe ou de nível sócio-cultural, aqui germinaram. O espírito brasileiro combina muito bem e enriquece e dinamiza o espírito lusitano.

Do Brasil vê-se melhor Portugal e toda a força da Lusofonia.

Para ele, a unidade e a soberania de Portugal é essencial. Por isso, manda um recado claro e veemente:

Nunca mais se deve falar na questão de unir a Espanha e Portugal”.

A visão universal e planetária de Portugal, poderá levar os dois países ibérico a olharem-se mutuamente como “outro”, numa relação criadora de identidade e alteridade.

Foi um Semeador. Quem dele precisou foi atendido. Semeou para as próximas gerações colherem. Semeou rabanetes para as próximas refeições e semeou jacarandá para as futuras gerações.

Sua vontade e disposição para o trabalho, para servir o país de adoção, fizeram dele, como diz Eduardo Lourenço:

o homem dos sete ofícios, profeta, pedagogo, sábio, naturalista (...)

um pólo de vida ativamente contemplativa[2]”.

Fez amigos, por toda a parte onde atuou, de Norte a Sul do país.

Em tudo o que pôs as mãos e o seu ideal, agiu como fermento transformador.

Onde esteve, fez a diferença, ajudando a abrir novas perspectivas e novos rumos às pessoas e às instituições onde atuou.

Este homem extraordinário, além de professor e foi um pai de família. Com esta repartia também a sua vida, a sua sabedoria e a sua generosidade.

9. Uma das marcas deixadas por Agostinho foi seu carinho pela cultura portuguesa e pelo mundo lusófono.

Ajudou a formar Centros de Estudos Portugueses, em diversas universidades em diversos Estados do Brasil. Em 1954 é nomeado Diretor dos Serviços Pedagógicos da Exposição Histórica do IV Centenário da cidade de São Paulo, onde seu sogro Jaime Cortesão desenvolveu um trabalho extraordinário.

Em 1959, funda o Centro de Estudos Africanos e Orientais, na Universidade Federal da Bahia. Uma instituição inovadora, revolucionária, dentro do espírito de Gilberto Freire: visão de um País e de uma lusofonia multiracial e plural. Com isto Agostinho deu sequência aos trabalhos pioneiros de Gilberto Freire e Nina Rodrigues, valorizando e fazendo justiça às ricas contribuições que os negros trouxeram à cultura do Brasil [3]

Começa aqui a pôr em prática o sentido plural da lusofonia. Quis mostrar a necessidade de se dedicar mais aos Estudos Africanos, por sua presença marcante da Lusofonia.

Deu destaque à vertente africana da lusofonia. Abriu um portal de amplas perspectivas.

Agostinho foi um espírito de convergência. Ia abrindo novos espaços que expandiam e articulavam as suas ideias matriciais, dando-lhes novos horizontes, multiplicando-se. Nunca se dispersou.

10. Em 1963, visita o Japão, Macau e Timor, com bolsa da UNESCO.

De volta a Portugal (1975) visita a Galiza.

Em 1987, visita Olivença, onde deixou marcas de seu gênio e de sua generosidade.

Em 1988, visitou Moçambique.

Com sua atividade múltipla e pelo Espírito de União dos Povos Lusófonos, com que sempre trabalhou, Agostinho lançou as sementes férteis da Lusofonia pluricontinental, em perspectivas universais, na perspectiva do Quinto Império, sob as luzes do Divino Espírito Santo, Agostinho deu novas e amplas perspectivas à Lusofonia Mundial.

11. Agostinho foi o verdadeiro inspirador da criação da CPLP: a união de povos soberanos: unir-se para crescer e prosperar, nas dimensões materiais e espirituais.

O objetivo era:

Unir-se para superar o subdesenvolvimento e as decorrentes chagas sociais e as chagas da guerra civil.

Unir-se para superar antagonismos, aceitando a diversidade.

Unir-se para reencontrar-se com o progresso, consigo mesmo e com os seus amigos.

Unir-se para dar uma educação melhor a todo o povo.

Unir-se para, juntos, construirmos um futuro melhor, sem abdicar da liberdade.

Unir-se para produzir mais alimentos e mais riquezas para a nação e emprego, para todos poderem alimentar-se e alimentar suas famílias.

Unir-se para construir uma nação próspera, com o bem-estar do povo.

Unir-se para saber ir além do progresso material, superando e ultrapassando o economicismo capitalista, cultivando os valores humanos e o bem-estar de todos.

Agostinho deu contribuição destacada às ideias matriciais da Lusofonia, em toda a sua amplitude e complexidade.

Agostinho ajudou a dar unidade ao mundo da Lusofonia, dando a cada povo o seu valor, sem discriminações. Semeou o espírito da confraternização. Fez o que todos podem fazer, se quiserem...

Somou suas ideias e sua ação, às ideias e ações de milhares de outras pessoas inspiradas, que germinam nas terras férteis da Lusofonia, dando-lhes novas forças. Suas ideias não se caracterizam pelo ineditismo, mas pela operacionalização e articulação de novas forças, e pelo espírito que as fecundou. Ele faz acontecer.

Sua visão de mundo passa pela confraternização de todos os povos, com a instauração do quinto Império Espiritual, na busca de um mundo com mais justiça, generosidade, prosperidade material e espiritual e mais paz.

Por estes posicionamentos de Agostinho, dizemos que ele foi um “arauto de um mundo em expansão”, preconizando uma nova era da humanidade.

J. J. Peralta

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Nota: Para completar este ensaio sobre Agostinho da Silva, escute-o no YouTube:
http://www.youtube.com/watch?v=7rrWqHJoBBc&feature=related (clique)

Leia também:

“Agostinho da Silva, Visão Panorâmica do Homem e sua Ideias” (clique)



[1]A Última Conversa. p. 96

[2] Idem, ibidem, p.

[3] Destaque especial merece, nestas perspectivas, a obra-prima: “Casa Grande e Senzala”, publicado em 1931.

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