segunda-feira, junho 28

Saramago

SARAMAGO
Um Labutador ou um Provocador?
J. Jorge Peralta

Defendeste a pátria? Cumpriste o teu dever.
A Pátria foi ingrata?! Fez o que costuma fazer
.”
(P. Antônio Vieira)

            1.  Um Homem Paradoxal
O aguilhão de Saramago talvez nos faça falta. Poderemos não concordar com ele, em algumas de suas diatribes polêmicas, no entanto, não podemos negar sua coerência de homem livre. Por outro lado, ele carregou consigo um grande mérito: Suas posições políticas, como cidadão, não interferiram em sua obra: não fez literatura partidária.
Politicamente, no entanto, teve atitudes, para muitos, abomináveis. Ninguém é perfeito... Até dos seus erros podemos tirar ensinamento.
Saramago com sua vida e obra, com seus defeitos e virtudes, estará no Panteão da Lusofonia, quer queiramos quer não.
No Panteão da Lusofonia não cabem ódios nem rancores. Saramago não colocou ódios ou rancores na sua obra. O tempo o absolverá de seus erros políticos. Restará sua obra. Esta o elevará.
Acredito que está na hora de Portugal redescobrir Saramago, sem preconceitos, como um de seus filhos amados, apesar dos pesares.

2. Saramago foi um homem e um artista que teve como seu grande mérito, o seu esforço por acordar a sociedade de certa letargia: provocou as pessoas para que refletissem, em busca da consciência do ser. A rejeição que ele teve faz parte dessa tomada de consciência...
A incredulidade que ele tanto propagava, acredito que faz parte de seu processo de provocação à sociedade para que sua fé não seja em decorrência de uma tradição formal, da inércia e de uma vontade de ser igual e de não destoar do meio em que convive.
Talvez uma afronta, subconsciente, ao “pensamento único” e “inquestionável” que move ações e atitudes, mas não move corações, convicções e sentimentos coerentes, e conscientes.
Não move o espírito.
Suas polêmicas acordaram muita gente. Ribombaram como trombetas...
Mas as pessoas não gostam de ser “perturbadas”, como os homens não gostam de ir ao médico.

Mesmo quando acusou Deus e todas as religiões, por todos os males e misérias do mundo, por todas as guerras e maledicências, provocando um grande terremoto de agressões e contestações e constrangimentos, acredito que foi mais um ato provocativo de bom resultado. Fez as pessoas pensarem e reagirem. Despertou consciências.
Acordou os que estavam sonolentos, “estagnados”, no átrio das igrejas.
Ajudou a curar a cegueira de muitos...
Até o seu último romance, “CAIM”, com todas as suas inconsistências, foi uma obra que, socialmente, deixou um saldo positivo. Provocou uma grande corrida à Bíblia, para conferir os textos originais...

3. Sejamos Críticos, mas não Injustos
Podemos e devemos ser críticos, mas não injustos. Não podemos demonizar as pessoas.
Podemos não concordar em tudo o que Saramago agitou, mas não podemos deixar de reconhecer o valor de sua lealdade a princípios, até quando abala alguns dogmas da Igreja. Até quando venerou o “bezerro de ouro” do poder despótico e deletério de seu país, que nos causa repugnância.
Naturalmente podemos discordar de muitas de suas posições, mas não podemos deixar de dar valor à sua bela história humana.
Tanto política como literariamente, Saramago foi um homem coerente. Nunca temeu perder leitores com suas atitudes. Isto ninguém pode negar. Foi um homem de coragem. Ao contrário de muitos que o criticaram...
Saramago foi um homem simples. Um homem dedicado à sua obra.

4. Vai-se o homem, fica a obra. Devemos perdoar-lhe (?!) alguns de seus eventuais desvios, mas não podemos de deixar de apreciar o difícil percurso, seguido por um homem humilde de nascimento, que conseguiu subir todos os degraus da fama e encantar milhões de pessoas, com mérito e qualidade. Saiu do anonimato, para se projetar na história, como um vencedor que, com sua obra literária, deixou o mundo mais belo.
Acredito que não vendeu sua alma ao diabo... Se vendeu, recuperou-a.

Já vi pessoas lendo Saramago nos lugares mais inesperados, como em praias do Brasil, em banco de praça e nos metrôs de Lisboa... etc, etc.
Foi um grande escultor da frase e um genial contador de histórias.
Diz uma grande crítica literária brasileira:
Com ele, a Língua Portuguesa readquiriu, ao mesmo tempo, a majestade de um Vieira, o humor de um Eça de Queirós e a beleza poética de Pessoa prosador” (Leyla Perrone-Moisés).
Chico Buarque fala de Saramago como “um ser humano admirável, um escritor imenso, um zelador apaixonado da Língua Portuguesa”.

Sei que estas ideias são uma reviravolta naquilo que muitos pensam em Portugal sobre Saramago.
Precisamos repensar sempre nossos conceitos, quando surgem novas luzes. Não nos fechemos à luz, como as ostras.

5. Saramago no Brasil
José Saramago tinha profunda estima pelo Brasil, que muito admirava.
No Brasil tinha e tem muitos milhares, talvez milhões de admiradores. Aqui veio muitas vezes. Sentiu o coração do Brasil palpitar no ritmo e com a força do coração português. Era e é o autor mais vendido da etiqueta literatura estrangeira. Aqui falou sempre bem de Portugal.
Do Brasil dizia:
Somos gente da mesma família,
de uma mesma língua,
de uma mesma cultura que é, embora diferente, a mesma”.
Para ele, o Brasil e Portugal estavam fadados a viverem unidos.
Saramago sempre se sentiu muito bem, entre os brasileiros, que retribuíam com grande carinho. O Brasil é um novo Mundo.
No Brasil encontrou o céu em vida. Foi muito amado, aqui. Porque ele era muito bom. Mas nem todos souberam ver o que ele nos oferecia...
Em Portugal Saramago foi muito antipático. Isto é questão circunstancial; não diminui o valor de sua obra e de sua vida.
Precisamos apreciá-lo com certa objetividade, desapaixonadamente, para não sermos atropelados pela história. Saibamos que a realidade tem muitos ângulos, e não só um.

6.  Saramago vai ao Paraíso
Até Deus Pai, lá do Céu, quando Saramago chegou, foi recepcioná-lo à porta, junto com São Pedro, o homem das chaves.
Deu-lhe as boas vindas, com um grande abraço.  E ele encabulado... sem dizer nada...                                    
Tinha aqui na terra, falado muito mal de Deus e do seu Cristo! O Pai logo atalhou: filho, eu ausculto os corações... Quando falavas mal de mim, criticavas o que eu não era e não a mim. Criticavas porque amavas o que eu sou. Eu sou justo e generoso. Sou a Sabedoria.
Muito do que fizeste, às vezes por caminhos tortuosos, fez as pessoas pensarem e acertarem suas vidas. Tiraste muita gente da monotonia e da inércia.
As pessoas te criticavam mordazmente e com razão; mas fizeste-as pensar. Já te deram a pena que mereceste.
Vem comigo. Também aqui terás por missão provocar, em todos, um sorriso largo, com teu humor e teus paradoxos. Precisamos inovar sempre... Precisamos despachar mais sinais de esperança para teus irmãos, lá na terra de onde vens.

            7. O Grande Legado de Saramago
A vida e a obra de Saramago, o segundo Prêmio Nobel da Língua Portuguesa, têm algo de monumental que apela à nossa consideração.
[Nosso primeiro Prêmio Nobel foi o Médico, Dr. Egas Moniz, (1949). Um grande  homem.]
Quaisquer que sejam as nossas apreciações, Saramago é um imortal, em dimensões de literatura universal.
Saramago saiu da vida e entrou na história.
Na história ele continua vivo, em outra dimensão. Ninguém conseguirá tirar-lhe o que lhe pertence. Os méritos são dele.
Seus críticos vão e ele fica.

Agora cabe a nós fazermos a nossa lição de casa, sem preconceitos e sem simplismos.
Compete a cada um de nós detectar onde está os melhores tesouros que nos legou.
Se soubermos olhar, apesar dos percalços, o saldo é muito positivo. Merece o nosso apreço e a nossa consideração.
A posteridade, apagados os erros de percurso, saberá lhe fazer justiça, enaltecendo a sua imagem.

Não podemos repetir o que o país tradicionalmente fez com as pessoas que mais se destacavam no seu povo. Estas, de praxe, são renegadas por seus contemporâneos. O P. Antônio Vieira, um dos maiores ou talvez o maior sábio do século XVII denunciou este costume execrável, de que ele quase foi vítima.
É de Vieira esta frase constrangedora:
Defendeste a pátria?
Cumpriste o teu dever.
A Pátria foi ingrata?!
Fez o que costuma fazer.”
Lembremo-nos de que Camões, se não fosse a dedicação de seu escravo, teria morrido de fome. E que Pessoa também foi rejeitado por muitos, no seu tempo. Vieira, se não fosse tão sagaz, teria sido queimado pela Inquisição, e foi uma das maiores inteligências da História de Portugal e do Brasil, de todos os tempos.
Aguardemos o que o futuro dirá de Saramago. Ele ainda está muito vivo. Como estará daqui a 50 anos? Se ele merecer a glória, glória terá.

5 comentários:

Tribuna Lusófona disse...

Brasileiros lendo Saramago
Boa noite aos leitores.
Não sei de qual País surgem estas (.....) , mas falar de brasileiros lendo Saramago nas praias me faz lembrar de um colega que, em Coimbra, comprou um livro do premiado falecido, por pura CURIOSIDADE em querer saber o que havia de merecedor de Nobel no autor daquela obra.
A desilusão do antigo professor e diretor de escola no interior de São Paulo (Brasil) foi tamanha, que ele não terminou de ler o livro e passou imediatamente às decepcionadas manifestações de revolta com as "invenções" literárias do autor.
Isso, analisando a obra sob aspecto puramente redaccional.

Que Chico Buarque o comentasse favoravelmente, é o que se espera sempre de um irmão de ideologia comunista. Ainda hoje o compositor e sofrível cantor faz o mesmo com outro vermelhinho de carteirinha, o centenário arquiteto Niemeyer. Ambos trocam elogios via média.
Depois, sair da vida para entrar na história já deixou escrito em carta um suicida ex-presidente da república brasileira, o Dr. Getúlio Dornelles Vargas.

Além de tudo, se a professora da Universidade de São Paulo lhe tece comentários favoráveis, é preciso que se saiba que a USP guarda , dentre os seus docentes e discentes, muitos "simpatizantes" do ideologismo político do falecido...
Enfim, como "de gustibus et coloribus non est disputandum", o tempo dará a César o que é de César. Mas ainda há quem prefira os clássicos das literaturas portuguesa e brasileira.Felizmente.
Saudações a todos.
P. L. Vieira de Freitas - Porto Alegre - RS – Brasil

Tribuna Lusófona disse...

Exmos Senhores e Senhoras,
Na verdade o inferno está cheio desta gente que por este mundo peregrinou à sua maneira! Não se lembraram que um dia iriam partir e ter que prestar contas a DEUS?! Não mediram distâncias, nem tampoco reverenciaram os mais vulneráveis! Todavia, como os demais partiram deste mundo, e levaram com um balde de cal nos testículos e não levaram nada com eles! Cá deixaram tudo!

F.Gonçalves da Silva

Tribuna Lusófona disse...

Belíssimo Texto!!! Parabéns ao dr. Peralta e ao PortugalClub por manter este espaço de liberdade de expressão .
Hoje estamos todos orgulhosos da nossa seleção. Foi bonita a homenagem com os fumos nos agasalhos em homenagem a José Saramago. Foi bonito o técnico da seleção relembrar Bartolomeu Dias que dobrou o Cabo das Tormentas e a adoçou para Cabo da Boa Esperança quando lhe perguntaram se temia o jogo na cidade do Cabo. Mais bonito foi ver o Cristiano Ronaldo cantar A Portuguesa. E vamos em frente!!

Abraço Eulalia Moreno

São Paulo

Tribuna Lusófona disse...

Caro José Peralta,
Excelente o teu texto sobre Saramago
Camões morreu na miséria, como Damião de Góis e Garcia da Orta. Quantos génios do nosso país morreram na solidão e não tiveram a presença de nenhum rei, nenhum chefe religioso nem chefe de estado; quanta gente inocente foi chamada pelos meios de comunicação social a aglutinar-se para festejar a mediocridade. Quantos morreram no exílio antes de terem nomes de rua e textos selecionados nos manuais da instrução pública.Também o rei D. Pedro II não assistiu às exéquias de Vieira, como Cavaco Silva não se dignou assistir às de Saramago. Saramago foi uma figura polémica, perturbou a pensamento politicamente correto do nosso tempo, o padre A Vieira também foi assim no tempo dele. Ninguém sabe onde param as cinzas de Vieira, pelo menos as de Saramago ficam em Portugal! Vieira provocou e azucrinou, Saramago também. Vieira foi um patriota, Saramago nem tanto, mas mereceu um Prémio Nobel, coisa que não abunda pelas nossas bandas.
No reino da mediocridade, o mais importante por estas horas é a vitória de 7-0 sobre a Coreia do Norte. Quem sabe se ao regressarem ao país deles, aqueles jogadorers sem genica não serão todos enfiados num campo de concentração e a nossa seleção não vai amorfanhar-se, corroída pelos remorsos.
Parabéns pelo teu texto
António de Abreu Freire

Tribuna Lusófona disse...

Sabe-se que Saramago foi polémico. As suas atitudes provocaram
muita discordância. Curioso que, no fim, quisesse que as suas cinzas ficassem em Portugal.
Não demonizemos Saramago. A sua obra, os seus inúmeros
personagens, as suas ficções, têm uma grandeza inegável. Tentem lê-lo, compreendê-lo ( o que não significa "tentem concordar com ele" ), mesmo sem vírgulas. Olhem que o discurso dele é muito coerente, e muito rico. Mesmo com vírgulas, há um fio condutor, e ele acaba por resultar claro. Os apelos à reflexão são constantes.
Essa capacidade das obras de Saramago, de nos levarem a sonhar, a mundos e situações imaginários, é algo de espantoso.
Os portugueses mais críticos de algumas das suas posições,
nomeadamente no que toca ao Iberismo (ponto de vista que me repugna), têm de mostrar que, historicamente, Portugal tem sabido evoluir, e que é capaz de distinguir o génio, no meio de opiniões mais ou menos discutíveis. Portugal é (ou não é?) suficientemente sólido para acolher TODOS os seus filhos, mesmo quando estes incomodam por algumas das suas opiniões, principalmente se mostram uma tão grande capacidade intelectual e criativa. Caso contrário, Portugal não vale a pena. Se a Inquisição ainda está tão forte em algumas mentalidades como se tem visto aqui, então Portugal está perdido!!!

2010-06-21 Carlos Luna