sábado, junho 26

Saramago o Escritor

SARAMAGO, O ESCRITOR  E OS CRISTÃOS
J. Jorge Peralta

I
A ESSÊNCIA DO CRISTIANISMO
E O VÍRUS DA ARROGÂNCIA

Caríssimo Amigo

1. Agradeço pelo texto enviado, sobre Saramago. Ele representa uma
visão muito  afastada do modo como eu penso e como muitos outros pensam. Os humanistas jamais poderão compactuar com a intolerância. Os cristãos também não.
Vou tentar comentá-lo, na linha das minhas reflexões, fixadas nos textos que lhe enviei, principalmente em “Saramago, Um Labutador ou Um Provocador” (clique).
O autor do texto é coerente, teologicamente. Mas ele não entende de teologia viva. Talvez entenda de Teologia livresca.
No entanto, ninguém pode  se arrogar o direito de controlar os desígnios de Deus.
Temos de ter muito cuidado com atitudes farisaicas, em que, pessoas da igreja, menos cultas, às vezes se perdem...
Não temos o direito de satanizar ninguém. Temos de procurar a justiça e a fraternidade.
Dizia Pascal que "o coração tem razões que a própria razão desconhece". 
Pois eu ainda acha que " Deus também tem razões que certa teologia desconhece". Precisamos superar o (       )  apologético de que alguns lançam mão, inutilmente. Esse não é o caminho.
Não dá para falar de Saramago sem falar de Deus e da Bíblia. O Secretariado da Pastoral da Cultura CEP, chamou a atenção para esse fato. Não foi intolerante.

2. Não sei se estou entendendo o  que está escrito, no texto do sr. Gonçalo, mas parece-me que há aí alguns equívocos.
A manifestação do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, da CEP, foi muito mais humanista.
Cristo disse: "Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”.
E ainda insistiu: “Não julgueis e não sereis julgados." 
Quem se julgará  tão especial que será capaz de sondar os desígnios de Deus?
Assim sendo não me parece que o texto tenha bases tão jurídicas. Nem bíblicas.
Summum jus, summa injuria

3. Não é o Saramago ateu que está em pauta, mas o grande
literato, um mestre da Língua Portuguesa. . A relação do leitor é com o texto.
Louvamos, sim, Saramago, o nosso Prêmio Nobel que muito honrou o nosso País. Isto é incontestável.
Os portugueses arrepiaram-se e resistiram a Saramago, na mesma proporção e incoerência que se opuseram ao Acordo Ortográfico. São relações estranhas, talvez preconceituosas. Revelam uma certa fobia inaceitável, contra os próprios irmãos que se destacam (ou se desgarram?!).
Nosso Magno Vieira já nos advertia para essa tendência entre os portugueses, ilustrando sua observação com fatos inquestionáveis e deploráveis. Ele trata do assunto no Sermão de Santo Antônio, preparado para ser pregado em Roma, no dia 13 de junho de 1671. Sua leitura pode iluminar o espírito e a mente.
II
LIBERDADE COMO UM TESOURO

4. Todos sabemos que
a garantia da liberdade
é  a perene vigilância
Todos sabemos também que a liberdade é um dos maiores tesouros da Civilização Cristã. Está Escrito:
“A Verdade vos Libertará”
Então, liberdade e verdade caminham juntas.
As frases citadas nos dizem que a  liberdade corre sempre perigo. É uma  conquista de cada dia e de cada hora.
A essência  da liberdade está no nosso coração. O pior inimigo da liberdade não são as algemas que alguém pode nos pôr nos punhos ou nos tornozelos, mas o que pensamos e fazemos.
Então ao invés de apontar o dedo contra alguém, condenando por seus desmandos, deveríamos orar por todos os inimigos da liberdade:
Pelos que injuriam injustamente, pelos caluniadores, pelos maldizentes,  pelos invejosos, pelos aldravões, pelos pilantras, pelos mentirosos, pelos corruptores, pelos desonestos, pelos perseguidores.
Dá impressão que a Mensagem de Cristo passou muito longe de alguns “cristãos”, ou foi captada muito truncada e desbotada, pelos intolerantes, pelos equivocados, pelos agressores injustos, pelos hipócritas, pelos sádicos, pelos racistas, pelos xenofobistas, pelos doentes ... Enfim, por todos os  que padecem de alguma anomalia ética ou moral...
Todos deveríamos deplorar  o modo “doentio” de pensar e agir das pessoas, sabendo que o espírito do mal é tão traiçoeiro que não há ninguém que possa se sentir absolutamente livre de ser surpreendido por ele. Ninguém. Nem o Mestre. Nem o Papa, nem os Cardeais, nem  os Pastores, nem os  Rabinos, nem os Políticos, nem as pessoas mais simples das aldeias ou das cidades.
É nas melhores searas que o inimigo mais se compraz em semear a cizânia.
 Para ampliar, clique
5.   Considero essa questão de alta relevância social. Aqui se aponta uma das grandes chagas de nossa sociedade, sempre envolta em problemas e dúvidas que precisamos conhecer, suportar e tentar superar.

 Rui Barbosa, um grande intelectual brasileiro, dotado de grande sabedoria, cansado de esgrimar, no Parlamento da República, com alguns companheiros corruptos e traiçoeiros, desabafou sua indignação em uma frase de extraordinário vigor:

Mas afinal Camões disse algo semelhante:

Para ampliar ,clique
 

6. Neste sentido, saudamos a mensagem do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, (Conferência Episcopal Portuguesa), com voto de pesar pela morte de José Saramago, publicada no dia 18.06.2010. Aí se procura fazer justiça a Saramago, chamando-o:
OGrande Expoente da Língua Portuguesa e Expoente de nossa Cultura”.
Diz ainda:
José Saramago “ampliou o inestimável património que a literatura representa, capaz de espelhar profundamente a condição humana nas suas buscas, incertezas e vislumbres...”
Acrescenta: “Como é público, o cristianismo e o texto bíblico interessaram muito ao autor, como objecto para a sua livre recriação literária. Há uma exigência e beleza nessa aproximação que gostaríamos de sublinhar
E conclui: “a vivacidade do debate que a sua importante obra instaura, em nada diminui o dever da cordialidade de um encontro cultural que, acreditamos, só pode ser gerado na abertura e na diferença”.
Muito lúcido o posicionamento da Comissão da Pastoral da Cultura, publicado no site da “Agência Ecclesia”.
É na perspectiva da cultura que  Saramago deve ser avaliado. E não na perspectiva religiosa, que não foi o seu compromisso. A celeuma levantada sobre Saramago  poderia ser evitada, evitando constrangimentos, se as pessoas tivessem seguido a linha de ideias da comissão citada acima.

7. Caríssimo amigo,
Penso que uma das atitudes, que Cristo mais combateu, foi o farisaísmo. E Cristo é o maior ícone religioso e espiritualista da História.
Haja visto tudo o que disse dos escribas e fariseus, hipócritas... Disse tudo o que disse no capítulo 23 de Mateus, para nos prevenir e nos advertir.
Não basta entender muito de teologia, e da lei dos homens, para estar com Deus ou com o pensamento humanista mundial. Deus não é uma teoria; é vida. Não é com a apologética que resolvemos questões essenciais...
Deus é muito mais do que as teologias possam afirmar sobre ele. 
Deus está muito além da lei dos homens e até de todas as teologias. A máxima teologia é a Mensagem do  Evangelho...que é a lei maior, que se resume em apenas  sete (7) palavras.
Cristo disse que "a letra mata e o espírito vivifica". 
Assim pensam todos os  iluminados  que se preocupam com o bem da humanidade.

8.  Não há Cristianismo sem o OUTRO. O Mandato: "Amai-vos uns aos outros" é a base do cristianismo e do humanismo. É o ápice a que chegaram as pessoas iluminadas que deram Novos Rumos ao Mundo. É a essência do Cristianismo.
Devo acrescentar ainda que não achei justa, nem aceitável a agressão de alguém que chamou quem pensa diferente dele, de “carpideiras”.
Penso que é muita intolerância, em pouco texto. Acredito que não estamos em guerra. Respeito à posição alheia é o mínimo que de nós se exige.
Lastimo muito tudo o que esse senhor disse. São agressões gratuitas que nada acrescentam e ainda querem ofender outros..., constrangendo-os.
Na minha concepção, é uma atitude lastimável, sem sentido, com a qual não compactuo. Não somos semeadores de cizânia. Nem precisamos ser.
Um homem digno não pode redigir um texto desse nível, sem depois pedir perdão à humanidade. São deslizes gratuitos que negam a pluralidade constitucional, em todas as dimensões. Errar é humano; corrigir-se também.
Ou ao menos ir estudar um pouco mais humanismo e respeito.
Esta é a minha opinião. Ele pode ter outra acepção das coisas, que eu sou obrigado a respeitar. Mas ofereço a minha apreciação e a minha rejeição.

9. Acredito que o referido senhor  teve muito boa vontade, e boa intenção. Mas isto  não o exime de responsabilidade ante a sociedade.
Ele quis condenar o "mau ladrão" mas quem lê os corações?!
A arrogância e a insustentabilidade de certas pessoas que se dizem cristãs, estão provocando um grande mal estar em muita gente. Muita gente , mal informada, começa a ter vergonha de ser cristã. Eis aonde estamos chegando...
Quem somos nós para declarar quem são os "Bons" e quem são os "Maus". Os advogados, ao menos no Brasil, em alta proporção, são muito limitados, em princípios humanistas e em dialética. Parece que, em Portugal não é muito diferente.
Saramago, com todo o seu sarcasmo, pode nos ajudar a ter uma consciência mais lúcida e mais ampla da vida e do mundo.
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Nota: Texto elaborado a propósito de um artigo, de Gonçalo P. Almada,
que me chegou de Lisboa  (Público, 27.06.2010), que me foi enviado por
um sábio  P. Jesuíta.

Respeitosas saudações,
JPeralta

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