SARAMAGO, NUM MUNDO PLURAL
J. Jorge Peralta
1. Saramago, para muitos, tem um lado "negro", por ter se manifestado contra os interesses de seu país, em algumas circunstâncias. Lastimável. Mas ele é muito mais. Isto talvez, para alguns, ofusque seu brilho humano, mas não a sua glória literária e humanística; os bens que nos legou na sua obra, e seu engrandecimento à lusofonia.
Saramago está em boa companhia de grandes artistas, pelo mundo afora, de que ninguém questiona os méritos e a grandeza, e que politicamente pensaram como ela: Gorki, Picasso, Jorge Amado, etc. Talvez de centenas ou de milhares de nomes internacionais, que todos admiram, sem se preocupar com o Comunismo que professaram, em sua atividade política. Intolerância é crime. Hoje e sempre.
2. Vivemos num mundo plural. Não podemos esquecer esta condição. Precisamos respeitar a pluralidade.
Minha questão é esta: Saramago tem um saldo humanístico muito positivo. Mais do que um comunista, ele é um português de quatro costados. Sem ter nascido em berço de ouro, projetou-se no mundo.
Não foi, certamente o português mais traidor que produzimos nos últimos tempos.
Outros foram muito mais traidores e hoje querem até ser presidentes da República.
Outros foram muito mais traidores e hoje querem até ser presidentes da República.
Saramago é muito pouco, ao lado de outros, que levaram o país ao estado lastimável e exangue, em que se encontra.
Seu contributo foi no campo das ideias, e foi muito positivo. Ajudou a elevar a auto-estima dos portugueses; deixou o mundo melhor.
Então, uns não podem ser exaltados enquanto outros são execrados. Façamos justiça. Esse é o meu apelo.
3. Neste contexto me veio uma ideia que pode desvendar um pouco a celeuma que se armou, entre alguns intelectuais portugueses, logo que Saramago morreu. Entrou no ar, em tom incômodo de “vuvuzela” (aquela irritante corneta sul-africana), uma polêmica que acusa Saramago de ser comunista e ateu, etc, fechando os olhos para o lado que realmente interessa, neste caso: a arte que produziu e o realce que deu à Língua Portuguesa.
Quantos outros grandes escritores, viveram e morreram à margem da Igreja? Este fato não impediu que ocupassem um papel preponderante na nossa história cultural. Não diminuiu a sua grandeza cidadã.
O que há de especial em Saramago é apenas o fato de ele ter nascido de família apenas remediada. Nasceu como um descamisado e subiu por próprio mérito, os degraus da escala social, a ponto de escrever para o seu país e para o mundo. Fez-se ouvir pelo mundo afora, além do tempo e do espaço.
Saramago fez muita gente pensar. Foi um homem que superou as suas limitações e se projetou no tempo e no espaço. Bem haja.
Não temos que ter inveja de Saramago, nem de ninguém. Respeitamos o que ele representa de bom para o seu país e para a humanidade. Admiremos o que fez e os seus méritos. Não precisamos valorizar a parte com que não concordamos.
Saramago fez a sua parte, cultivando seus talentos.
[Nota: Texto elaborado a propósito de um artigo de Zita Seabra, que me chegou de Lisboa, publicado no JN (27.06.2010]
Nenhum comentário:
Postar um comentário