sábado, janeiro 15

Uma tragédia

UMA TRAGÉDIA NUM PARAÍSO
J. Jorge Peralta

I
Tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro

1. O Brasil possui verdadeiros paraísos, onde vivem e convivem pessoas “privilegiadas” de diversos níveis sociais e sócio-culturais. Um dos destaques é a região serrana do Rio de Janeiro, onde se situa o emblemático pico do Dedo de Deus. Um dos exlibris do Brasil.
Petrópolis foi um refúgio da Família Imperial do Brasil e de muita gente de destaque nas artes, nas ciências e na política. Santos Dumont aí morou. A Família de Tom Jobim, grande compositor, tem um sítio, na região que sofreu com a tragédia. Esta é apenas uma pequena amostra das belezas do Brasil; mas é uma delas.

2. Alegra-nos dar boas notícias, mas dói ver o sofrimento dos irmãos, vítimas de tragédias. Tragédias no Paraíso é algo assustador, pelo paradoxo.
Agora está sendo a vez do Brasil, com destaque para a belíssima região serrana do Estado do Rio de Janeiro. Uma calamidade. Chuva torrencial, na madrugada do dia 12, trouxe destruição, tragédias e mortes. A tromba de água foi implacável. Deixou poucas alternativas de escapar, por onde passou.
Três cidades, Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis, foram as regiões mais atingidas. Três regiões serranas de grande beleza, que abriga gente simples e trabalhadora e casas e hotéis de alto luxo. Este é um dos pólos de desenvolvimento do Estado.
A tragédia não destruiu as cidades, mas fez grandes estragos.
A tragédia a todos tratou por igual, no sofrimento, na morte e na destruição. Deixou destroços, lama e dor. Uma realidade cruel...

3. Estamos diante da maior tragédia natural  da História do Brasil que já contabiliza a trágica estatística de mais de 600 mortos. Precisamos refletir sobre as lições dos fatos, procurando causas e possíveis soluções para que tragédias como esta não se repitam.
Estamos diante de uma questão urbana a ser tratada com ousadia.
A vida merece mais cuidados. Em grande parte, esta tragédia era evitável. Se as pessoas vissem o mundo e a vida numa dinâmica harmônica. Se as pessoas tivessem em mente um desenvolvimento sustentável.
Às famílias enlutadas, damos nossas sentidas condolências. Fazemos votos que, no que depende das pessoas, e do cuidado humano, fatos dolorosos destas dimensões nunca mais se repitam no nosso país, nem em nenhum outro.
Se as pessoas ainda são o maior patrimônio de uma nação, cuidemos delas, de sua educação, de sua segurança e do meio ambiente.

II
Lição da Tragédia

4. Todos se igualaram na hora de prestar socorro às vítimas. A solidariedade desabrochou do sofrimento. Ainda bem. O Brasil é, efetivamente, um povo solidário. Sabe superar-se.
Quem podia punha os pés na lama da rua, agora mar de lama, ou para atravessar o córrego, transformado em rio de lama, para socorrer alguém ilhado e em risco, do outro lado.
Gente pobre e gente rica, moradora de mansões serranas, a todos a enxurrada danificou as casas por igual. Ilhados na serra, sem possibilidade de comunicação, devido à destruição das estradas, pediam água e comida. Foram iguais e solidários, na sorte e no desespero.
A morte e o sofrimento rondam, ainda, aquela região privilegiada pelas belezas naturais. Já se contam mais de 650 mortos.
Há perdas irrecuperáveis de familiares. Uma tristeza que não se cura facilmente...
Mas ainda há notícias de muita gente soterrada, nas próprias residências que ruíram, levadas pela inesperada avalanche de água e lama.
Residências, empresas, hotéis... Nada foi poupado, por onde as águas torrenciais desceram.
Famílias inteiras morreram ou ficaram desfalcadas...

5. Mas a fé no futuro ainda se revelou pela voz de um menino de dez anos que, vendo o pai desesperado, porque a água lhe levara a casa e tudo, o consolou:
Pai, não fique triste, nós vamos começar tudo de novo...”
Sim, as pessoas não podem desistir. Ao menos lhes sobrou a vida.
Os sobreviventes, que são muitos milhares de pessoas, estão ou em casa de amigos, ou em abrigos de emergência. São muitos os feridos e mais de 13.000 desabrigados.
Um bebê foi resgatado dos escombros, onde ficou soterrado por mais de 12 horas. O pai o manteve protegido pelo próprio corpo. O pai também sobreviveu.
Num mundo abarrotado da sedução de um consumismo exacerbado, um fato como este faz pensar. Então não vamos fechar os olhos, os ouvidos e a boca, como os três macaquinhos...
Se não falarmos os mortos falarão...
Os semi-vivos que perderam os seus, também terão muito a nos dizer.

III
Monumento ao Herói Anônimo

6. Com meus botões, fiquei pensando: heróis anônimos se revelam nessas horas. Heróis que a estatística humana não registrará. Até porque a estatística nem sempre é confiável.
Fiquei pensando naquele marido que se lastimava pela sua mulher, que tudo fizera para lhe salvar a vida, e ele não pode salvá-la... Tendo as pernas quebradas não pode socorrê-la quando dele precisou. E a perdeu na lama... Todo machucado, ele se salvou... Mas ela se foi...
Quantas mães e quantos pais morreram, tentando e se arriscando para salvar os filhos? Quantos maridos morreram tentando salvar as esposas? Quantas esposas morreram, tentando, num último esforço, salvar os maridos? Quantos irmãos morreram tentando salvar os irmãos? Quantos amigos morreram, tentando o último e derradeiro esforço para salvar os amigos?...
Há muitas histórias de heroísmo a serem contadas. Na adversidade, os humanos se revelam...
Quantos deram a vida pelos seus!! Aprendemos que “maior prova de amor não há...”
São heroísmos de verdade, que jamais alguém contará; heróis que a tragédia selou, mas a morte silenciou. Heróis anônimos, mas heróis de verdade. Nada a ver com certos heróis, farsantes, fabricados, que os políticos nos querem impingir.

7. Em algum lugar da Região atingida deveria, ser erigido um Monumento ao Herói Anônimo (Desconhecido?), através de uma alegoria em pedra granito. Será símbolo do caráter heróico do nosso povo... Perpetuará um paradigma de solidariedade heróica. Será um monumento cívico, ensinando humanismo e ecologia sadia.
Será um alerta ou uma “voz” contra o esquecimento...

IV
Há Responsáveis pela Tragédia?!

8. Diante da fúria da natureza cessa toda a arrogância e toda a ganância. Nessas horas trágicas, é fácil culpar a natureza ou culpar os imprudentes, como se não fosse próprio do ser humano ousar, arriscar sempre, em busca de melhores condições de vida, para si e para os seus. Faltou a formação de caráter. Faltou consciência cidadã.
Nota zero para a educação cívica de muita gente. Muitos, com diploma universitário, são analfabetos em civismo. O Diploma não os ensinou a serem gente!!
As ousadias irresponsáveis de poucos, às vezes ceifam a vida dos próprios e de muitos inocentes.
Cabe às autoridades estabelecer limites de risco, e fiscalizar... As autoridades são pagas para garantir, na medida do possível, os limites que previnem a tragédia, em casos normais, e não para extorquir e burlar as normas sadias, sem casuísmos.
No entanto, as políticas venais cedem aos seus correligionários, em troca do benefício eleitoral ou econômico. Esquecem que a natureza é drástica e implacável.
Os políticos, como os fiscais e os legisladores, precisam ter uma formação cívica. Mas esta parece ser precária ou nula. Daí a Lei de Gerson: “Levar vantagem em tudo”.
Há questões previsíveis e questões imprevisíveis. As inundações da Austrália, hoje com imensas áreas alagadas, é questão imprevisível, vinculada que está a “distúrbios” globais, ao que parece.

9. O esbarrancamento da região serrana do Rio de Janeiro, são previsíveis a longo prazo. São fenômenos que se sabe que podem ocorrer, só não se sabe nunca quando, ou se ocorrerão algum dia.
Casas em encostas da Serra do Mar são sempre expostas a risco, devido à pequena camada de solo.
A fúria das águas é aterrorizadora, e não pede licença. Cabe aos humanos agir com a razão e não só com a emoção.

10. A tragédia, enfim, chegou com força incontrolável em Teresópolis, em Friburgo e em Petrópolis. Onde passou deixou marcas de perdas de vidas, de patrimônio e muita dor.
Prejudicou uma pequena parte daquela região belíssima. Assim mesmo os prejuízos “contaminaram” toda a região. Os quase 200 hotéis e outras Instituições foram atingidos psicologicamente. Grandes investimentos feitos, previamente, para receber as pessoas, tudo correu, “ralo” abaixo, com a tragédia que os atingiu, quer bloqueando as estradas de acesso, quer desarticulando as pessoas psicologicamente, pelo que ocorreu, em outros pontos da região. As reservas de férias foram canceladas e as de carnaval correm alto risco. Mas mais graves são as perdas humanas... Estas são as únicas irrecuperáveis.
O Brasil “perdeu”, temporariamente, um espaço nobre de descanso, de entretenimento e de grande desenvolvimento. Mas este é capaz de o recuperar.  

V
Lições da Tragédia – Novo Aprendizado

11. De fatos destas dimensões precisamos aprender algo, para que, no que depender dos humanos, a tragédia não se repita. Precisamos detectar as causas, as consequências, as responsabilidades e buscar soluções.
Estamos diante de uma tragédia que exige reflexão séria dos urbanistas, visando prevenir ocorrências idênticas, aqui ou em outro lugar.
Teremos de presenciar, estarrecidos, muitas outras tragédias humanas se não aprendermos a lição dos fatos.
Riscos sempre os teremos. Viver, como ousar, é sempre arriscado. Cuidemos então do ponderável.
Damos a seguir três medidas preventivas:

a) Não é possível as pessoas, sob o silêncio e o fechar dos olhos das autoridades, continuarem a desmatar as encostas dos morros e das serras.
b) Não se admite que continue a se permitir construções, em áreas de risco, a ricos ou a pobres. Quando o morro esbarranca, descem casas, pessoas e animais, pela encosta, passando por cima  de quem mora mais abaixo, às vezes em condições regulares. Assim as vítimas descuidadas matam as vítimas inocentes.
c) Os alarmes, quando graves fenômenos naturais se aproximam, devem ser divulgados e atendidos. As pessoas precisam ter rota de escape.
d) As pessoas precisam ter mais formação cívica, humanística e técnica para entenderem e respeitarem os princípios do desenvolvimento sustentável, que traz prosperidade, respeitando a natureza e a vida.  Assim se reduzem as possíveis tragédias. Saber acautelar-se das velhas raposas que faturam no medo e na tragédia...
A Educação deve estar voltada para a formação de pessoas instruídas e conscientes.

Os mortos não falam?! Os erros de alguns e o sofrimento de muitos são soterrados, juntos, na avalanche destruidora?! Nem sempre é assim...
Então eu lhes digo: se não reagirmos e não fizermos o necessário para evitar nova tragédia destas proporções, os mortos falarão sim. Cada um dos mortos, em consequência da “fraude” de pessoas  responsáveis, falará alto, na consciência das pessoas relapsas, pusilânimes ou vendidas... Os bons que cumprem seus deveres, estão cansados de serem iludidos por espertalhões e caras de pau!
Se nos acomodarmos  até “as pedras clamarão” por justiça.
Nem sempre funciona esta equação, pois a tragédia nem sempre é tão lógica.
No entanto, o que pode ser prevenido, que seja...

12. A grande lei auto-sustentável é o respeito às leis da natureza, que a arrogância ou a ganância de alguns, simplesmente desconhece ou mascara.
Precisamos aprender que há valores muito mais fortes e necessários do que lucro; e que lucro, com prejuízo da natureza, é sempre lucro de alto risco, que não compensa.
Áreas de risco desmatadas devem imediatamente ser recuperadas, com replantio de árvores.
As construções, em áreas de risco, devem ser transferidas para lugares mais seguros. Não é possível “levar vantagem em tudo”. Esta é uma lei sórdida. Prevenir acidentes é dever de todos.
Estes princípios devem ser aprendidos na família, na escola e nas igrejas. Podemos pagar caro por nossas imprudências, e ganâncias.

VI
Políticas Urbanas Lusófonas

13. Mas esta não é uma lição da tragédia a ser aprendida apenas pela área atingida, na Serra Fluminense. Todo o Brasil e todo o mundo precisa aprender com os erros alheios, antes que a tragédia passe, avassaladora, à sua porta, e leve os seus...
A solidariedade lusófona não se mede apenas com apoio moral e/ou econômico. Devemos trocar experiências, para evitar desastres idênticos e evitar sofrimento e dor que poderiam ser evitados, se soubéssemos aprender também com os erros dos outros.
Vamos exigir a aplicação de políticas urbanas de segurança, para todos, também contra as intempéries.

14. Lusófonos Unidos
Na prosperidade, como na calamidade, os povos lusófonos devem ser sempre solidários, para buscar sempre o bem-estar de todo o nosso povo.
Mas esta tragédia que nos atinge deve servir como alarme para que troquemos experiências que levem a implantar políticas urbanas que possam garantir  maior  segurança  e qualidade de vida a todos.
Vamos estabelecer normas atendendo à diversidade de cada país.
Queremos que todos os países lusófonos sejam, para todos, terra de oportunidades e bem-estar.

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