sexta-feira, junho 10

Os Lusíadas - Luís Vaz de Camões

OS LUSÍADAS - Luís Vaz de Camões


AS ARMAS E OS BARÕES ASSINALADOS
(Os Lusíadas, Canto I, I a XI) 

I
 As armas e os barões assinalados 
Que, da Ocidental praia Lusitana, 
Por mares nunca de antes navegados 
Passaram ainda além da Taprobana 
E em perigos e guerras esforçados 
Mais do que prometia a força humana, 
E entre gente remota edificaram 
Novo Reino, que tanto sublimaram; 

II
E também as memórias gloriosas 
Daqueles Reis que foram dilatando 
A Fé, o Império, e as terras viciosas 
De África e de Ásia andaram devastando, 
E aqueles que por obras valorosas 
Se vão da lei da Morte libertando: 
Cantando espalharei por toda parte, 
Se a tanto me ajudar o engenho e arte. 
  
III
Cessem do sábio Grego e do Troiano 
As navegações grandes que fizeram; 
Cale-se de Alexandro e de Trajano 
A fama das vitórias que tiveram; 
Que eu canto o peito ilustre Lusitano, 
A quem Netuno e Marte obedeceram. 
Cesse tudo o que a Musa antiga canta, 
Que outro valor mais alto se alevanta. 
 
IV 
E vós, Tágides minhas, pois criado 
Tendes em mi um novo engenho ardente 
Se sempre, em verso humilde, celebrado 
Foi de mi vosso rio alegremente, 
Dai-me agora um som alto e sublimado, 
Um estilo grandíloquo e corrente, 
Por que de vossas águas Febo ordene 
Que não tenham inveja às de Hipocrene. 
 
Dai-me uma fúria grande e sonorosa, 
E não de agreste avena ou flauta rude, 
Mas de tuba canora e belicosa, 
Que o peito acende e a cor ao gesto muda; 
Dai-me igual canto aos feitos da famosa 
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda; 
Que se espalhe e se cante no Universo, 
Se tão sublime preço cabe em verso. 

 VI
E vós, ó bem nascida segurança 
Da Lusitana antiga liberdade, 
E não menos certíssima esperança 
De aumento da pequena Cristandade; 
Vós, ó novo temor da Maura lança, 
Maravilha fatal da nossa idade, 
Dada ao mundo por Deus (que todo o mande, 
Pera do mundo a Deus dar parte grande); 

VII
Vós, tenro e novo ramo florescente, 
De uma árvore, de Cristo mais amada 
Que nenhuma nascida no Ocidente, 
Cesárea ou Cristianíssima chamada, 
(Vede-o no vosso escudo, que presente  
Vos amostra a vitória já passada, 
Na qual vos deu por armas e deixou  
As que Ele pera Si na Cruz tomou); 
  
VIII
Vós, poderoso Rei, cujo alto Império 
O Sol, logo em nascendo, vê primeiro;  
Vê-o também no meio do Hemisfério, 
E, quando desce, o deixa derradeiro;  
Vós, que esperamos jugo e vitupério 
Do torpe lsmaelita cavaleiro, 
Do Turco Oriental e do Gentio 
Que inda bebe o licor do santo Rio: 
  
IX
Inclinai por um pouco a majestade, 
Que nesse tenro gesto vos contemplo,  
Que já se mostra qual na inteira idade,  
Quando subindo ireis ao eterno Templo;  
Os olhos da real benignidade 
Ponde no chão: vereis um novo exemplo  
De amor dos pátrios feitos valorosos, 
Em versos divulgado numerosos. 
  
X
Vereis amor da pátria, não movido 
De prêmio vil, mas alto e quase eterno;  
Que não é prêmio vil ser conhecido 
Por um pregão do ninho meu paterno. 
Ouvi: vereis o nome engrandecido 
Daqueles de quem sois senhor superno, 
E julgareis qual é mais excelente, 
Se ser do mundo Rei, se de tal gente. 

XI  
Ouvi: que não vereis com vãs façanhas,  
Fantásticas, fingidas, mentirosas,  
Louvar os vossos, como nas estranhas Musas,  
de engrandecer-se desejosas: 
As verdadeiras vossas são tamanhas, 
Que excedem as sonhadas, fabulosas, 
Que excedem Rodamonte e o vão Rugeiro,  
E Orlando, inda que fora verdadeiro. 

(...)
  

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