terça-feira, outubro 4

Eliana Calmon

ELIANA CALMON
Um Paradigma de Cidadã
Uma Juíza de Coragem
José Jorge Peralta

1. Não há novidade alguém dizer que o sistema judicial ocidental está capengando; que está contaminado; que a justiça de fato passa longe em muitas causas; que há corrupção no judiciário; que o judiciário nem sempre é confiável; que isto é um retrocesso; que é lastimável; que isto é desconcertante!!
Não sei o percentual dos corruptos, mas se for 0,1% já é demais. Quem deve saber é o CNJ (Conselho Nacional da Justiça), no caso do Brasil.
Por outro lado, todos consideram que um judiciário digno e de mãos limpas, é essencial no mundo civilizado, que saiu da barbárie e não quer retornar.

É público e notório que, em muitas sentenças, o inocente sai condenado como culpado e o culpado é inocentado. O inocente triste, vai para a cadeia, ou paga a conta; o culpado alegre e exultante, vai comemorar a vitória. É a “justiça” a serviço da malandragem; a serviço dos espertalhões. Muitas vezes a sentença não tem qualquer compromisso com a justiça.
Triste a condição humana. Justiça é um nome bonito, no conceitual, algumas vezes a serviço da degradação social e do desespero das pessoas.
O judiciário precisa fazer justiça e não teatro. Precisa ser fiscalizado por gente de mãos limpas.
A toga não pode ser esconderijo.

2. O Brasil está nesse rol desonroso de justiça meio precária.
Muitas vezes a “justiça” é muito cruel; apenas um engodo. Isto não pode prosperar. Paradoxo lastimável. Insustentável. “Justiça” injusta?! Por que tem nome de justiça? É por simples antonomásia?! Ou para enganar os não iniciados.
O Tribunal de Justiça deveria se chamar Tribunal das Leis.
Muitos filmes americanos dramatizam causas torpes e trágicas nas mãos da “justiça”. Relatam sentenças manipuladas. A justiça nem sempre tem os olhos vendados. Não passa de uma grande armação.
Entretanto, a Justiça é algo essencial ao convívio humano, para restabelecer ordem e punir os culpados. Os juízes vilões precisam se sentir fora de lugar. Mas nem sempre é o caso. Por isso existe o CNJ.

3. Pois bem, é recorrente as pessoas se lastimarem da violência nas ruas e nas periferias das cidades. Até nas escolas.
A corrupção no sistema político e administrativo toda a gente lastima. São dois pilares podres da nossa civilização.  Põem a civilização em risco, disseminando inquietação. Deveriam ser pilares sólidos e firmes.
Os desarranjos no judiciário e a consequente impunidade geram violência que abala a malha social. O exemplo vem de cima e abala a credibilidade dos fracos. Estes tendem a fazer “justiça” com as próprias mãos e implantam o caos.
O sistema judiciário, o terceiro pilar da civilização, deveria ser incorruptível. Em muitos casos, é corrupto, como os outros, deixando a sociedade desguarnecida.
As autoridades não podem deixar prosperar a desordem numa  área essencial do país.
O sistema jurídico, até agora, era o único espaço temido de que ninguém falava, por temor.  Temido mas não impune às maracutaias. É um sistema hermeticamente fechado aos mortais. Mas nem por isso menos sujeito à corrupção.  
Em tudo precisa haver transparência, ao se tratar da coisa pública. Os juízes desonestos desonram a toga e devem pagar pelos próprios erros, como o cidadão comum, sem condescendência, sem negligência e sem leniência.
Um juiz desonesto compromete a honra do judiciário. E se forem 20,30, ou 50, ou 100 ?!

Para punir os desmandos dos juízes, e preservar a dignidade, foi implantada, em 2005, o Conselho Nacional de JustiçaCNJ, ligado ao STF – Supremo Tribunal Federal. O CNJ está previsto na Constituição de 1988, (Art. 103-B)

4. A Corregedora do CNJ, Eliana Calmon, uma mulher forte e bem preparada, enfrentou a corrupção no judiciário. Fez a CNJ cumprir  seu dever de punir os juízes corruptos.  Quis recuperar a honra da magistratura. Isto é patriotismo.
O CNJ tem em andamento, segundo a imprensa, 65 investigações, algumas já com resultados drásticos para alguns dos corruptos togados.
Menos corrupção, mais justiça. Todo o juiz sensato deveria aplaudir, de pé. Uma maçã podre apodrece toda a cesta de maçãs.

Alguns pensaram que a CNJ fosse apenas mais um cabide de emprego. Enganaram-se e se assustaram.
O CNJ funciona de verdade e lavra a sentença que o corrupto merece. A corporis reagiu feroz?! Pior para eles...
Armou-se um movimento para reduzir-lhes as funções e área de atuação. Querem cortar-lhe as pernas.
Eliana, corajosa, saiu em defesa da justiça, com uma frase contundente que, se não fosse verdadeira, não seria dita:
A redução dos poderes do CNJ “é um caminho para a impunidade da magistratura, que tem infiltração de bandidos atrás da toga”.

Toda a gente sabe que Eliana sabe muito bem o que diz. Diz e pode provar. Os fatos o comprovam.
Apesar disto, o Presidente do STF, Antônio Cézar Peluso, leu uma manifestação de repúdio à corajosa juíza (?!), onde declarou:
O CNJ repudia veementemente acusações levianas.
que lançam dúvidas sobre a honra dos juízes”.

Em vez de a homenagear tenta humilhá-la. Atitude assustadora.
Em vez de zelar pela defesa da juíza, repudiou sua ação.  É como se o médico, em vez de cuidar das pessoas, quebrasse o termômetro, porque denunciou a febre do doente.

5. Todos os países precisariam ter em funcionamento um CNJ (Conselho Nacional de Justiça), com alguém do quilate de Eliana Calmon. Alguém de ética, coragem, competência, dedicação e de mãos limpas.  Teria muito trabalho e ameaças dos corruptos, mas não lhe faltariam aplausos e apoios. A nação bateria palmas. Mais importante é a sensação do dever cumprido.
Fez o contrário, o senhor Presidente do STF: em vez de respaldar a coragem da juíza corregedora, parece pregar a omissão. E a omissão é um dos piores vícios da República. Omissão é inaceitável. É crime qualificado. É improbidade judicial.
Se tivéssemos 10 juízes do quilate de Calmon, no STF, o país logo começaria a mudar de rumo, para uma sociedade melhor.

6. Não é a primeira vez que os honestos e responsáveis são punidos pelos trapaceiros, em nome da justiça!!
Lastimável a manifestação de Peluso. Mais lastimável porque Peluso é reconhecido, como um homem de bem; um homem honrado que honra a nação, ao ocupar tão alto cargo, na mais alta corte da justiça. Um homem paradigmático, que honra a toga. Tenho imenso respeito por ele, até porque foi meu colega de ginásio, em Santos.
Suponho que as pressões corporativas, para ler tal mensagem, devem ter sido insuportáveis. Até porque ele deveria, antes, estar tecendo loas à Ministra Calmon, pela sua coragem e justeza de caráter. Pelo cumprimento do dever, Calmon merece exaltação e não punição.
Esta ao menos, é minha opinião, e de grande parte da imprensa. Nada impede que Peluso tenha opinião diferente, o que eu não acredito.
Dizer que foram “acusações levianas” é demais. Isto não se fala para uma Ministra do STF, se ela for Eliana Calmon. Nunca!.
Calmon não foi leviana. Antes foi forte, corajosa e correta. Cumpriu seu dever de Corregedora do CNJ. Diante dos fatos, não se omitiu. Quem então foi leviano neste caso?!
Calmon sonhou que podia mudar o mundo e pôs mãos à obra. Começou pela própria casa onde trabalha. Que vá em frente e não desanime. Que não retroceda.
Minhas homenagens à Juíza Corregedora, Eliana Calmon, por sua coragem e dignidade. Ela honra o judiciário de seu país.
Se metade dos juízes do país fossem do porte moral de Calmon, o país estaria muito melhor, em termos de ética e de justiça.

7. Sem dúvida todos os juízes ficaram sob suspeita.  Em vez de declarar “levianas”, as acusações de Calmon, Peluso poderia ter estimulado uma campanha para fazer uma limpeza geral os tribunais e excluir todos os “bandidos infiltrados atrás da toga”. Aí sim, estaria honrando o judiciário e honrando a toga. Por que não faz uma devassa no CNJ para se certificar do nível de gravidade dos processos contra os juízes, por uma Comissão independente, isenta e não venal, nem ligada a compadrios?
Isto sim, o país teria aplaudido.
Não se tira a suspeita dos juízes do País, escondendo os crimes dos criminosos infiltrados, mas julgando e punindo os culpados. A lei é igual para todos. Ou não é bem assim?!
Se há “bandidos infiltrados atrás da toga”, o judiciário precisa de uma séria e urgente faxina. A Presidência da República precisa interferir nesta imoralidade.
É urgente vencer o hermetismo da justiça. Precisa haver transparência na decisão dos juízes. Sabemos agora, oficialmente, que também no judiciário, proliferam os ovos de serpentes.

Os juízes honestos não têm nada a temer. Só têm a ganhar. Os desonestos não podem vencer esta batalha pela ética e transparência no judiciário.
Se conseguir prosseguir em tão nobre causa, Eliana merece uma estátua em praça pública.
Essa seria uma atitude digna e patriótica.

8. A nação precisa poder ter confiança no judiciário. Se esconderem as maracutaias o que a justiça pode esperar? E se derem guarida a bandidos infiltrados?!
Quem esconde os “bandidos do judiciário” é conivente e perde a moral e a confiabilidade.
O senhor Juiz, A.C. Peluso, precisa refletir na extensão destas consequências. A não ser que se prove que a senhora juíza Eliana Calmon agiu de má fé, o que é difícil e penso que é impossível. Não lhe falta credibilidade, em seu histórico.
Afinal, a justiça é um dos grandes pilares da sociedade. Não pode ser abalada.
Se estiver corrompida por “bandidos”, em quem a nação pode confiar?
Como respeitar uma sentença, se ela pode ter sido decretada por um “bandido togado”?
A nação precisa saber quem são esses bandidos togados.
O STF é  a última instância da justiça no país. A nação precisa saber a verdade desta discórdia no CNJ e seu desfecho.
A presente contenda, após a intervenção distorcida e desastrada de Peluso, abalou a credibilidade do STF e do CNJ. É preciso que recupere a credibilidade, com atos dignificantes, sem retórica vazia.

9. Mais uma vez uma mulher mostra sua coragem e destemor para limpar o país dos dragões da corrupção que se espalham por todos  os mais nobres espaços da nação, onde  essa praga diabólica nunca poderia entrar.
Que país é esse, onde um homem, como Cézar Peluso, sede à pressão para agredir e repreender, em vez de glorificar uma juíza que acaba de entrar na história deste país, como uma juíza honrada, capaz e patriótica. Uma juíza que não se omitiu,  no cumprimento do dever.
Calmon subiu no conceito da nação. Em contrapartida, Peluso desceu. Aguardemos as próximas batalhas. Peluso terá oportunidade para recuperar seu alto conceito de juiz honesto e capaz que não está a serviço de crápulas. A maioria de seus colegas, no STF, certamente é composta de juízes honrados, honestos e capazes. Não deixem que arranhe mais a improbidade da justiça. Não se omitam.
Exijam mãos limpas na justiça do país.
Se Peluso encetar uma grande campanha para recuperar a honra do Ministério Nacional, a partir do CNJ, junto com Eliana Calmon, não ficará sozinho, nesse empreendimento patriótico. A maioria dos juízes o apoiará, sem dúvida nenhuma. Mas o mais importante é que toda a nação o aplaudirá, de pé.
Mãos à obra eminentes juízes, Peluso e Calmon. O Brasil conta com vocês e com a coragem e competência que lhes honra o caráter. Deem-se as mãos pela ética na justiça de nosso país.

10. Imponham a ficha limpa para todos os juízes de qualquer instância e por todo o tempo do exercício da profissão. Mas que não seja um faz de conta. Que o espírito patriótico de Eliana Calmon, assim forte, competente e veemente cuide sempre do CNJ. A nação agradece e a posteridade também.

Propomos que a CPLP aprove uma moção sugerindo que todos os Povos Lusófonos constituam, junto ao STJ, um CNJ (Conselho Nacional de Justiça), idêntico ao modelo brasileiro e que dos juízes seja exigida, à entrada e durante todo o tempo, ficha limpa, para continuar no exercício da magistratura.
Que sejam feitas algumas alterações fundamentais no Estatuto do CNJ:
Que os juízes corruptos sejam tratados como cidadãos comuns. “Todos são iguais perante a lei”. Aliás, o crime de juiz deveria ter agravante. Que seja efetivamente punido, com justiça.
Que o juiz seja obrigado a devolver o fruto da corrupção. Que na aposentadoria, lhe seja concedido apenas o salário proporcional ao tempo de exercício e não o integral.
Que o juiz criminoso vá para a cadeia se o merecer, como cidadão comum, sem mordomias nem regalias.
Esta é a praxe em todos os sistemas judiciários das nações desenvolvidas.

Prof. Dr. José Jorge Peralta
é Professor da Universidade de São Paulo - USP (Aposentado)

Nenhum comentário: